sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Desabafo antigo em manuscrito

Manaus, 5 de abril de 2011 [terça-feira, antes de entrar na aula de Estatística]

"Ali estava ela. Sozinha como nunca esteve na vida. Pensando em como seria se ele ainda estivesse aqui. Pensando nas oportunidades que teve de estar junto dele, rindo de suas tentativas falhas em contar piadas. Pensando que se houvesse um dia a mais ela poderia ter lhe dito o que ele merecia saber. Poderia ter dito que todo esse tempo houve apenas uma pessoa que estava em seus pensamentos.

Essa única pessoa era a razão de seus dias serem mais felizes, a sua mente mais tranquila, focada. Ele era a pessoa que fazia aquela vida ter sentido, realmente. Com ele, esse próximo passo a ser dado era só uma consequência do tempo que passavam juntos. Era puro e simplesmente natural. O amor já estava ali presente o tempo inteiro, por todos esses anos. Nunca declarado ou explícito em palavras, mas era o amor que fazia aquela convivência ser harmoniosa e sem maiores conflitos. Divergências aconteciam e eles eram realistas o suficiente para apenas aceitar que discordavam sobre o assunto.

O relacionamento mais puro e mais fácil que já tivera e ao menos se deu conta que o medo de arruinar aquilo tudo pondo um rótulo, um nome específico, foi a principal razão de ter perdido momentos incríveis com ele, de poder viver livremente aquele sentimento. E agora ele se foi para sempre. Ela pode falar ou escrever em murais, em formas de post para o seu blog, gritar para o mundo inteiro ouvir, mas não há volta, ele não a escutará, não mais. Ele se foi e ela precisa prosseguir sem olhar para trás, sem pensar nas possibilidades do que poderia ter sido. É tarde demais.

Em uma diferente época, ele teria escutado, talvez até risse da expressão envergonhada que ela sempre fazia quando algo mexia com as suas emoções. Ele era a pessoa que não a julgaria jamais por ser ridícula e chorar na sua frente. Ele era a pessoa que ela poderia dizer toda a verdade sem medo. Com ele, ela poderia continuar a ser ela mesma e seus defeitos não passariam de meros motivos para brincadeiras na hora do almoço. Seus erros se tornavam, de alguma forma divertida e sem maldades, uma sessão quase infinita de risadas de madrugada, na hora em que todos dormiam.

É difícil aceitar a realidade quando o chão lhe falta. Culpe o mundo, culpe a existência divina, culpe o que for, mas nada, nem o mundo nem ninguém vai realmente fazer algo para que as coisas mudem. O que acontece é definitivo, quase sempre, e faz parte da vida ganhar ou perder. E nesse caso ela perdeu. Aceite, lide com isso. Durou o que tinha que durar e nada mais.

Mesmo com tanto sentimento guardado, nunca pronunciado alto e claramente, é provável que ele soubesse o tempo inteiro. As ações sempre e dizem e significam mais. Como daquela vez em que ela precisou ser altruísta e lhe dar apoio em uma decisão que ele havia tomado e que devastou seu coração. O dever de amiga falou mais alto. Não existe prova de amor maior que deixar o que você ama ser livre para ser feliz, mesmo que seja longe de você. Provavelmente ele sabia. Sempre soube.

O cheiro de cômodo fechado e a sensação do frio agradável trazem consigo muitas lembranças. Houve um tempo em que se deixar levar por elas, era doloroso. Fazia surgir lágrimas em seus olhos e rolarem pelo seu rosto, borrando a maquiagem. À medida que o tempo passa, elas começam a ser nostálgicas, algo parecido com o que seus pais chamam de ‘bons tempos idos’.
Manhãs estranhamente lindas, com ar preguiçoso e aroma de café...
Tardes de risadas, filmes e histórias engraçadas sobre a vida...
Noites insones, alegres, recheadas de conversas e músicas...

Nada disso será esquecido. Está tatuado em símbolos grandes, bem delineados em preto e coloridos por dentro. A vida na juventude é como uma flor de cerejeira: linda ao desabrochar, no entanto, logo se desmancha, logo passa. E a juventude deles estará sempre ligada por essas lembranças, essas histórias, mas que passou...

Ela é uma mulher forte, determinada, talvez um pouco cruel, mas ele era alguém que podia literalmente infligir dor em seu coração, mente e alma se ficasse magoado com ela. Essa dor ela não podia sequer pensar em suportar. Com a partida dele, o que restou foi um grande vazio no coração, na mente, na alma, no cotidiano e nas tardes de sábado. Um vazio enorme que dói, que tortura, mas que ela não consegue preencher. Não parece certo preencher. Não há ninguém qualificado. Ninguém com a história semelhante a dele. Com opiniões fortes como as dele. Ninguém certo ou capaz de tratá-la com a mesma generosidade carinho e respeito e livre de julgamentos.

Em certos momentos em que ele era estranhamente igual a ela, ele era incrivelmente diferente. Aquele dilema era tudo o que ela precisava. Ela não precisa de uma cópia masculina de si mesma. Ela não precisava de um príncipe encantado montado em um cavalo branco pronto para resgatá-la. Vai ver ela precisava mesmo de alguém inversamente igual a ela, desajeitadamente charmoso e inteligentemente interessante, com toda a sua imatura experiência dos vinte e poucos anos.


Alguém que nunca a levaria para a boate mais frenética da cidade. Alguém que sentiria enxaquecas tremendas se estivesse no banco do carona enquanto ela dirigisse. Alguém que ela escutaria com interesse ininterrupto todas as suas ideias brilhantes para contos, livros, trilogias e filmes. Alguém que na perfeição dos seus defeitos lhe seria sincero sempre, mesmo que isso machucasse seus sentimentos. Alguém que seria irritantemente desapegado a ela, mas a queria como presença constante...

Alguém que na calmaria do seu ser lhe faria feliz com domingos em casa, trancados no quarto, falando sobre o mundo. Alguém que saberia as palavras e expressões certas, em inglês e português, para fazer o elogio perfeito, que a faria ganhar o dia. Alguém que comeria seu bolo de milho e as doses de jello shots com a mesma confiança de um investidor da bolsa de valores, mas que confiaria a ponto de lhe entregar seus capítulos escritos na madrugada apenas para saber o que acharia do texto. Alguém que nunca casaria com ela, mas definitivamente alguém que seria somente seu enquanto ela desejasse.

Por tantos motivos e outros mais ainda desconhecidos na sua mente, ela estava ali, ainda sozinha e ainda disposta a fazer tudo por ele, mesmo já não adiantando coisa alguma. Mesmo sabendo que ele nunca mais ficaria on line no MSN, embora seu endereço ainda estivesse lá, gritando para que ela olhasse. Fim."

Rascunho encontrado no meio da pilha de papéis que tenho guardados em casa. Foi escrito em um momento de profunda tristeza e confusão. As situações descritas acima, hoje são páginas viradas e não doem se não forem lembradas. São muitas coisas misturadas, fatos reais, imaginários, suposições e muito drama. Bem típico de um surto nos dias de TPM.

Xxxx

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